Gisa Alexandra está na Colônia Penal há sete meses e, se não fosse a audiência realizada em março, não teria visto o (agora) marido desde que foi presa. Ele não tinha acesso permitido na Bom Pastor por haver acabado de completar a maioridade. Quando se conheceram, Deivid disse que tinha 18 anos, mas, na verdade, tinha 15. "Ele me enganou, mas acho que, mesmo que eu soubesse, ia aceitar. A gente não escolhe essas coisas, né?", confessa. Gisa, que nunca quis casar, ao ser presa passou a ver o relacionamento com outros olhos: "Quando caí, vi quem está por mim, ele e minha sogra que me fazem ter força", reconhece a detenta, nervosa minutos antes da cerimônia, que não seria acompanhada pela família que é toda de São Paulo.
As histórias de amor oficializadas na noite desta quinta (24) não só sobreviveram à prisão, mas muitas foram iniciadas na Colônia Penal Feminina. Virlaniy Maria, 23 anos, já foi presa três vezes e, na primeira delas, conheceu Ana Paula Teixeira: "Ela saiu do castigo e eu estava na espera para entrar. Ela me ajudou e estamos juntas até hoje", lembra Virlaniy o fato ocorrido em 2009. Ana Paula está presa há cinco anos e sempre pensou em casar para construir uma vida e enfrentar os obstáculos juntas. Virlaniy, que não era entusiasta de casamentos, mudou de opinião: "Com ela, eu sempre quis".
Não só de mulheres ansiosas se encheu o Bom Pastor. Tarcísio da Silva, 18, esperava para oficializar a união com Janaína Barbosa: "Nos conhecemos há três anos. A gente já queria se casar, mas não tínhamos condições", lamenta o noivo. Janaína está presa há sete meses e Tarcísio fez visitas constantes ao presídio, em uma das vezes, foi praticamente pedido em casamento: "Ela disse que ia ter esse casamento coletivo e perguntou se eu queria participar. Eu gosto muito dela, ela gosta muito de mim, então resolvemos aproveitar a chance". A mãe do noivo, a mãe da noiva e a mais nova enteada de Janaína foram prestigiar a cerimônia.
O pátio estava lotado de parentes dos noivos, de dententas e autoridades. A festa foi marcada por descontração, aplausos, gritos de "Beija" e muita emoção. Priscila foi falar por todas as detentas e se emocionou muito: "A gente não manda no coração, sou muito apaixonada por minha mulher e quero ser respeitada por ser gay". Além da cerimônia civil, dois religiosos fizeram a bênção dos noivos. Representando as religiões afro, Maria Helena Sampaio pediu licença aos orixás e o diácono Toni Marques, da comunidade cristã Nova Esperança, declarou:
"Deus ama cada um de nós do jeito que somos. O amor é uma necessidade moral; quando vocês andarem pelas ruas, ergam suas cabeças".
O casamento coletivo surgiu como uma demanda das reeducandas e foi levado pela diretora da Colônia Penal, Alana Couto, à Secretaria de Ressocialização (Seres). De acordo com Cirilo Mota, secretário de Direitos Humanos em exercício, "as pessoas são iguais apesar de suas diferenças". "Todos têm o direito de serem tratados como humanos", defendeu. No presídio, lugar marcado no imaginário social como espaço de falta e de tristeza, a noite foi de celebração da diversidade e do amor.
Por Alana Lima - Do NE10 - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem