terça-feira, 16 de agosto de 2011

Geleias que levam frutas, açúcar e afeto



Há 15 anos, as artesanais geleias Tia Nata fazem sucesso entre os turistas da mineira Monte Verde, na Serra da Mantiqueira

Framboesas no tacho: cozimento lento para atingir o ponto certo

A pequena Rua Bem-te-vi, em Monte Verde, localizada na porção mineira da Serra da Mantiqueira, cheira a geleias de amora, framboesa, morango, damasco e quiuí. O aroma vem da casa de Renato Lucas (Renats, na certidão de nascimento) e Donátila, que se transformou em Nata, porque a sobrinhada era incapaz de pronunciar o nome corretamente. Logo cedo, tachos que comportam até 15 quilos de frutas, sempre da estação, são levados ao fogo para que a mistura fique apurando por horas até adquirir a consistência e o sabor desejados. Aos 75 anos, seu Renato deixou de ter pressa na vida depois de se aposentar em São Paulo e fez de Monte Verde a moradia definitiva do casal há uma década e meia. O distrito de Camanducaia, a 160 quilômetros de São Paulo, famoso no país pelo turismo de inverno, sempre fez parte da vida deles. O pai de seu Renato havia comprado um lote de terra nos anos 1950 do desbravador e amigo Verner Grinberg.

Assim como a família de Renato e Nata, o fundador do distrito serrano deixou a Letônia, país europeu situado na costa do Mar Báltico, fugindo dos bolcheviques e da Revolução Russa em 1917. Renato herdou do pai meio hectare e ergueu ali um modesto chalé quando se casou com Donátila, há 50 anos. Com o passar do tempo, a construção foi ampliada, enfeitada com canteiros de amor-perfeito e, de tão delicada, tornou-se parecida com uma casa de boneca.

O casal recebe sem economia de simpatia todo visitante que vai até lá comprar a geleia mais famosa de Monte Verde ou simplesmente admirar a riqueza dos passarinhos, maritacas, papagaios e esquilos que habitam o extenso quintal. “Os animais são os filhos que não tivemos”, considera Renato. Toda a renda obtida com as vendas é revertida para comprar alimentos para os bichinhos. “Imagine, o jacu come um mamão sozinho”, surpreende-se Renato. Após alimentá-los bem cedo, ele e Donátila saem para caminhar e depois ficam com o dia livre para cuidar da fabricação – hoje uma incumbência praticamente apenas de Renato. A esposa não pode ajudá-lo como antes, por conta de problemas de saúde. Antigamente, o casal arrendava terra para cultivar eles próprios as frutas. Aravam, adubavam, plantavam e colhiam sem a ajuda de ninguém. Mas abriram mão de cuidar da produção de ponta a ponta, porque o trabalho estava ficando pesado demais.

Nos últimos anos, Renato prefere comprar a matéria-prima diretamente de outros agricultores como garantia de qualidade. Cansativo para ele é somente ir para São Paulo todo mês para comprar os vidros, que comportam quase 300 gramas de geleia cada um.

Os produtos da Tia Nata – o nome da marca foi sugerido pelos sobrinhos – foram criados logo que o casal fixou residência em Monte Verde. Eles buscavam um ritmo mais tranquilo de vida, mas não queriam passar os dias à toa. Logo concluíram que resgatar antigas receitas de geleia da família letã de ambos os lados seria excelente opção. Eles jamais se esqueceram do que aprenderam ainda crianças. Donátila precisava subir em um banquinho para adquirir altura suficiente para ajudar a mãe a mexer os tachos. Em sua família, Renato ajudava a colher, limpar e cortar as frutas. Durante a infância, ele morou em Varpa (que significa espiga de milho), comunidade agrícola formada por imigrantes da Letônia, durante os anos 1920, distrito de Tupã (SP). Viver em Monte Verde foi resgatar o sossego desses tempos, a ligação com a terra e com a natureza. “O homem não é nada sem elas”, afirma.

O sucesso da produção os pegou de surpresa. No início, a geleia era feita apenas para presentear parentes e amigos. Mas logo começaram a aparecer pedidos de pousadas, restaurantes, cafés e dos turistas. Nos últimos anos, Renato decidiu fabricar apenas para eles, que movimentam a cidade durante o inverno. “Todo processo é muito artesanal e por isso demorado”, diz. Talvez seja esse o segredo que trouxe fama às geleias da Tia Nata. Renato comenta que a receita é simples demais: leva frutas, açúcar e limão, “mas muito amor e paciência para esperar o ponto certo”, ensina.

Quando não está muito ocupado, o casal gosta de sentar-se em frente à casa e reparar na cantoria das aves e na quantidade de sabiás e beija-flores que habitam essa diminuta área de mata formada por pinheiros, árvores frutíferas e um sortimento de flores. Tudo foi plantado por eles, desde quando as geleias da Tia Nata eram apenas um sonho para o futuro.

GELEIA DE FRUTAS

Serve: duas pessoas | Tempo de preparo: cerca de uma hora | Dificuldade: média

INGREDIENTES

2 kg de frutas frescas de sua preferência

1 kg de açúcar cristal

1 limão espremido

COMO FAZER

Coloque todos os ingredientes em uma panela larga e deixe cozinhar lentamente, em torno de uma hora e meia, em fogo baixo. Mexa sempre a mistura durante esse tempo para que ela não queime e adquira a textura adequada para a geleia. Espere esfriar para guardá-la em potinhos devidamente esterilizados, para garantir a conservação do produto. Faça a opção por frutas da estação: além de mais baratas, são mais saborosas, pois amadureceram na época certa.

Por Janice Kiss | Fotos Valdemir Cunha