sábado, 9 de outubro de 2010

Uma família refém dos trilhos




Todas as manhãs, quando Jandira de Jesus Oliveira sai de casa para o trabalho, às 7 horas em ponto, ela precisa caminhar um quilômetro até chegar ao acesso à rua mais próxima. Jandira é promotora de vendas e mora em frente à estação ferroviária de Quitaúna, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. Ao sair de casa, ela anda em meio ao esgoto a céu aberto e tem de desviar do lixo e das fezes de animais que vivem ao redor de sua casa. A área está isolada da civilização, encravada entre a linha de trem, um quartel do Exército e o Rio Tietê. Desde 1974, a família de Jandira mora no local. No terreno de 19 mil metros quadrados, há seis casas e 18 moradores. Viver ali nunca foi fácil. A linha do trem sempre foi o único acesso às moradias. Para chegar ou sair de casa era preciso fazer um percurso de 80 metros à beira dos trilhos até alcançar a plataforma e, de lá, o acesso à rua. Sem nenhuma passarela ou passagem subterrânea, tudo o que era preciso levar ou tirar dali foi carregado pela linha do trem: móveis, compras de supermercado e até materiais de construção.
O que já era difícil piorou bastante há quatro meses, quando a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) ergueu um muro ao longo da linha ferroviária, impedindo Jandira e as outras pessoas que vivem por ali de cortar caminho ao lado dos trilhos. Restaram duas opções: pular o obstáculo de três metros de altura ou percorrer um quilômetro pelo terreno de um vizinho, que só permite a passagem das sete da manhã às sete da noite. Depois do fechamento do local por onde a família saía, a CPTM colocou guardas para vigiar os moradores. Quem se arrisca pular, pode ser levado para a delegacia. Natalino de Jesus Oliveira, irmão de Jandira, pula o muro todos os dias para ir ao trabalho. Ele é padeiro e seu turno de trabalho começa à meia noite. Como só é possível transitar pelo terreno do vizinho até as dezenove horas, ele coloca uma escada nos dois lados do muro. Alguns guardas já o conhecem e deixam que ele passe. Quando dá o azar de pegar um vigia novo, tem de explicar por que está ali e implorar para não ser preso. “Nós somos vistos como marginais quando pulamos o muro”, afirma. No dia 3 de outubro, primeiro turno das eleições, pular o muro foi obrigatório para todos os moradores dali que precisaram votar. Como o dono do terreno vizinho trancou o portão e soltou os cachorros, a escada encostada no muro virou a única rota de saída. Paula Jacqueline Aparecida Gusmão de Lima, esposa de Natalino, já foi mordida por um dos cães.
Até agora, a única solução encontrada para o problema é a construção de um pequeno corredor por dentro terreno que pertence ao quartel do Exército. A CPTM diz que se prontifica a construir a passagem, fornecendo material e mão de obra. Mas ainda depende de autorização da União para que isso seja feito, já que a obra envolve uma área de segurança militar. De acordo com a Companhia, a construção do muro que isolou as famílias faz parte de um programa de vedação das linhas de trens – que seria a única forma de garantir a segurança dos pedestres e da operação da linha