segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O coco-verde, vilão do verão?


O verão elege musas e vilões. Às vezes injustamente. Na semana passada, no Rio de Janeiro, os barraqueiros receberam uma ordem: será ilegal vender coco na areia a partir de dezembro. Quase 60% do lixo recolhido nas praias são cocos-verdes – 20 mil cocos por dia. Cada um pesa em média 1 quilo. O “Comitê Gestor da Orla” informou que o coco é o maior detrito, o maior poluidor das praias. Coitado do coco. O maior poluidor das praias é o brasileiro, um povo sem a menor educação ambiental.
Todos se indignaram com a prefeitura, que estaria violando a tradição carioca de beber água geladinha de coco à beira-mar. A tradição, tanto nas praias quanto nos parques, em todos os Estados, é espalhar imundície por onde se anda. No Rio, a mesma multidão que quer se refrescar com coco junto ao mar deixa nas areias, aos domingos, até 180 toneladas de lixo.
É tudo o que se pode imaginar. Garrafas, latas, saquinhos plásticos, palito de churrasco, fralda descartável, luvas (para passar água oxigenada nos pelos do corpo!) e muito mais. A casca do coco leva dez anos para se decompor na natureza. Os sacos e copos de plástico, de 200 a 450 anos.
Acho admirável o desempenho da Comlurb, companhia municipal de limpeza urbana no Rio. Como é árduo o trabalho dos garis para tornar invisível a sujeirada que todos – madames, celebridades, atletas, favelados, jovens e velhos – largam para trás! Quem caminha muito cedo na praia, antes da chegada dos garis, vê a areia coalhada de detritos. É vergonhoso.
A proibição da venda de cocos na areia (prestem atenção, é só na areia, porque os quiosques no calçadão poderão vender) foi destaque em colunas, reportagens e sites. Pouco se falou sobre o resto do choque de ordem praieiro. Camarão no espeto e queijo coalho na brasa não poderão ser vendidos na areia. Botijão de gás, churrasqueira, aparelhos elétricos ou de som e recipientes de vidro estão entre os barrados da praia. Só o coco despertou protestos.
Dizem que o brasileiro adora praia. Eu acho que detesta. Ninguém trata tão mal algo que adora
Acho inacreditável alguém se atrever a dizer que deixa lixo na praia porque não há contêineres suficientes na areia ou no calçadão. Em primeiro lugar, há. É só andar alguns metros. Um coco é pesado para levar até o calçadão? Dá preguiça? Imaginem 20 mil cocos diariamente. Junto com os cocos, as famílias – mesmo as educadas em colégios de elite – também abandonam os canudos de plástico. Por que, em países civilizados, os usuários levam saquinhos para as praias (especialmente as desertas, sem contêineres)? Para tomar conta de seu próprio lixo.
Aconteceu uma cena insólita recentemente no Rio. Uma motorista jogou lixo pela janela do carro e uma pedestre arremessou o lixo de volta para dentro do carro, gritando: “Este lixo é seu!”. Foi aplaudida. Existe um despertar de consciência. Mas ainda é uma minoria. Mesmo alguns dos que aplaudem a militante talvez sujem a praia. Sem perceber que é a mesma falta de civilidade.
Eu gostei da medida da prefeitura. Por ter despertado um debate. Não por achar que vai mudar alguma coisa. Por si só, é uma medida inócua, que apenas reduz o trabalho braçal dos garis. Às vezes penso numa medida mais radical. Parar de limpar por uns dois dias a praia. Só para a gente se olhar no espelho turvo. Claro que vão culpar a prefeitura: “Pô, ninguém limpa isso?”. Alguém uma hora vai dizer: “E quem sujou isso?”. Fomos nós.
Sem educação ambiental no currículo das escolas desde o primeiro ano, nossas crianças repetirão os vícios dos pais. Com campanhas maciças do governo pela televisão, quem sabe nossos filhos nos repreenderão quando cometermos crimes contra o meio ambiente?
RUTH DE AQUINO