Dizem que quando um avião está caindo, por falta de referência espaço-temporal, não conseguimos perceber a queda até que seja tarde, ou evidente, demais. É, eu sei. Também preferia não ter esse tipo de informação, mas cá estou eu compartilhando meu mais novo medo com você.
Se tem uma coisa que se repete é que, quando você estiver com medo, nunca terá alguém disposto a te acalmar ou conversar durante o trajeto. Aquela sua velha pergunta ‘será que esse barulho é normal?’ vai sempre permanecer sem resposta. Pelo contrário, sempre vai haver um engraçado a perguntar ‘Primeira vez? Com medo?’, ao que você responderia ‘Não, essa é minha cara pouco antes de comer sua mãe’, se não estivesse preocupado em se segurar nos braços e encostos de cadeira que estão ao seu alcance.
Esteja certo: quando a paranoia passa, será a sua vez de querer dormir durante o voo e acaba encontrando um medroso/faladeiro ao seu lado, o qual você tenta ignorar. Senão, é a vez das crianças contra-atacarem. Só quem já viajou próximo a crianças, especialmente as mais novas, sabe o prazer da paternidade repassada a terceiros. Os berros insistentes só não são mais desagradáveis que os avisos olfativos que é hora de um de seus pais acordarem para ir até o banheiro fazer um favor aos demais passageiros. E ninguém pode dizer nada. Quem anda de avião é chique até na hora de reclamar.
Uma amiga, certa vez, viajou aos Estados Unidos. Aquela velha história de visitar parentes que você nem gosta tanto para aproveitar para dar uma esticada na Disney e em Nova York, como quem não quer nada. A turnê só foi interrompida pelo desejo de uma tia-avó (sempre elas), que insistia em ir a um cassino. Com Las Vegas distante, Atlantic City foi o destino. Sem titubear, a velha pediu 50 dólares na roleta, nos números 15 e 20. O filho, muito esperto, espalhou apostas de 5 dólares entre vários números, menos no que a mulher pediu. Resultado: 15 e 20 na cabeça.
Revoltada, a mulher mandou novamente: 50 dólares em 15 e 20. Dessa vez, contra as probabilidades, o filho resolveu pôr metade do dinheiro nos números e o resto, mais uma vez, distribuídos. Na lata: 15 e 20. Claro, ele recebeu golpes de guarda-chuva. Ela, virou a bruxa da família. No dia seguinte, antes de todos seguirem nova viagem, a velha acorda sorrindo: “sonhei que a gente entrava em um avião laranja que dava piruetas no ar”. Todos muito tranqüilos e serenos, correram ao Google: Não. O voo da American Airlines não envolvia avião laranja.
Já sentados e com os cintos afivelados, a família ouve o comandante dizer que seria preciso retirar a camada de neve e gelo ao redor da neve. O comunicado foi seguido de um grande estrondo nas janelas, com um líquido que dissolve os cristais de gelo. O banho, bem dado, ao ser conferido pelos viajantes, pela janela, claro, era cor-de-laranja. Como não poderia ser diferente. A velha sorria.
A tal amiga não desistiu de voar. Precisou ir ao banheiro várias vezes no trajeto, claro, mas não desceu como louca. Eu teria descido. Apavorada, foi ignorada pelos demais passageiros. Não pregou os olhos ouvindo todos os barulhos. A cada sacudida de turbulência, pensava ‘É agora’. Enfrentou, duas vezes, fila no lavatório com pais que acham lindo que seus bebês perfumem o ambiente com suas caganeiras despreocupadas. E a velha gargalhava, com razão, aquelas já eram piruetas bastantes.