segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Os guardiões das fórmulas secretas



Já se perguntou por que ninguém nunca conseguiu imitar o sabor de refrigerantes famosos? ÉPOCA conseguiu falar com um dos guardiões da fórmula do Guaraná e explica.

Propaganda do primeiro Guaraná do mercado. O motivo para o sabor de alguns refrigerantes se manterem iguais mesmo depois de quase um século de vida é justamente o cuidado com o qual são guardadas suas fórmulas. (Foto: Divulgação)

Já parou para se perguntar por que cada refrigerante que você toma tem um sabor único? E por que, desde que você se entende por gente, esse gosto é o mesmo? Como será que a concorrência nunca conseguiu imitar o sabor daquele guaraná, ou a refrescância do refrigerante cola mais famoso do mundo, ou o gosto inexplicável do molho especial do sanduíche mais vendido do planeta? Não é à toa que todas essas empresas conseguem manter sua singularidade ao passar de tantos anos: a fórmula desses produtos é secreta. E secreta de verdade, guardada a muito mais que sete-chaves e cuidada com muito carinho.

A história da fórmula secreta ganhou destaque recentemente quando, no início deste ano, uma rádio americana afirmou ter desvendado o mistério por trás da fórmula do refrigerante Coca-Cola. A notícia de que o papel com a receita original teria vazado fez barulho no mundo todo, principalmente porque, por causa da internet, a informação viajou todos os continentes rapidamente. Algumas semanas se passaram e o caso morreu. Ninguém conseguiu fazer uma Coca-Cola pirata e, tão rápido quanto o rumor apareceu, ele foi abafado.

Aproveitando o momento, o Guaraná da Antarctica reforçou uma campanha sobre os guardiões de sua fórmula, intrigando milhares de consumidores sobre a veracidade da história. Segundo Sérgio Esteves, gerente de marketing do produto, os guardiões existem mesmo e são eles que garantem que o refrigerante não tenha sido, até hoje, 90 anos depois de sua criação, copiado por ninguém.

“Quando você para para raciocinar um pouco, essa história toda de guardião da fórmula não é absurda. O Guaraná é hoje o segundo principal refrigerante do mercado brasileiro e uma das marcas mais valiosas do Brasil. Então não faz muito sentido você não ter todo um cuidado com a fórmula do produto”, afirma Esteves.

De fato, essa figura do guardião existe em quase toda empresa que tenha um produto líder em seu segmento e de sabor ou qualidades únicas. Talvez ele receba outros nomes, mas grandes empresas como a Coca-Cola e o McDonalds confiam suas fórmulas, também secretas, a uma ou duas pessoas no máximo. Isso, segundo Esteves, garante não apenas que o produto mantenha-se único, mas é fundamental para que o sabor que se conhece e de que se gosta seja preservado pelo bem do paladar do consumidor e do faturamento da empresa.

Em uma entrevista exclusiva, ÉPOCA conseguiu, depois de alguma negociação e medidas de precaução necessárias, conversar com um dos dois guardiões da fórmula do Guaraná Antarctica. Seu nome não foi revelado, e a entrevista teve de ser mediada, por e-mail, por uma pessoa de dentro da própria empresa. À reportagem de nosso site, ele contou como faz para manter esse cargo de confiança, que lhe obrigará a ficar o resto da vida na mesma empresa, e quais são seus desafios. Questionado sobre se era um fardo muito grande, respondeu: “É um privilégio poder conhecer esse segredo, ainda mais sendo um produto original do Brasil. É uma satisfação e um orgulho muito grandes.”

Os guardiões da fórmula do Guaraná Antarctica, de acordo com Esteves, são artesãos ou verdadeiros “alquimistas vestidos de agentes secretos” que tratam com total cuidado a produção do refrigerante. É um profissional que precisa não apenas ter muitos anos de casa, como também precisa mostrar comprometimento com a marca e paixão pelo produto. É assim também nas outras empresas.

A identidade desses guardiões, geralmente, é mantida em completo sigilo, mesmo para os próprios funcionários da empresa. As poucas pessoas que sabem quem são trabalham próximas a eles. No caso do Guaraná, também conhecem suas identidades os membros do chamado “Conselho Guaraná”, uma quase que sociedade secreta da qual participam ex-guardiões e que é responsável pelo processo de sucessão dessa figura.

“É até engraçado, porque quando a gente começou a divulgar as propagandas sobre o guardião, muita gente, e até pessoas de dentro da própria empresa vinham perguntar: ‘isso é verdade mesmo?’”, diz Esteves. É verdade e já está em sua terceira geração na Antarctica. Na quinta-feira (18), o guaraná deles completou 90 anos. Nesse período, apenas três “gerações” de guardiões existiram. O que falou a ÉPOCA é o “neto”, por assim se dizer, do guardião original.

“Posso dizer que faço parte da terceira geração de guardiões”, afirma a figura misteriosa. “Minha história na empresa começou há muito tempo. Gosto de ressaltar que iniciei a minha carreira como estagiário, fui crescendo, exercendo diversas funções. A escolha de meu nome ocorreu em função de eu atender a todos os critérios estabelecidos durante o processo, principalmente aqueles relacionados à ética e à idoneidade.”

Na Antarctica, o processo de escolha desses guardiões é longo e criterioso. Por mais que não haja necessariamente laço sanguíneo entre os que ocupam o cargo, a ideia de ser uma geração ensinando e passando para a frente os conhecimentos à outra é mantida. Os guardiões mais antigos fazem um mapeamento de nomes e acompanham esses funcionários por anos, tudo em sigilo. São apontados apenas os funcionários de longa data na casa e que tenham um vínculo verdadeiramente emocional com a marca do Guaraná.

“A pessoa começa a ser observada e ela não sabe disso no final das contas. E aí a vamos colocando em situações em que checamos o quanto realmente ela está aderida à cultura da empresa e ao compromisso que vai ter a partir do momento em que assumir o cargo e passar a ser um dos guardiões da fórmula”, afirma Esteves.

Depois de escolhido, esse guardião passa a ter a responsabilidade mais importante dentro de toda a empresa, e é detentor de um segredo industrial que o levará a, obrigatoriamente, continuar no anonimato e com a mesma marca mesmo depois de aposentado. “Ele é um cara que vai estar com a companhia o tempo todo; ele vai ficar com a gente para o resto da vida”, diz Esteves.

O Guardião da fórmula do Guaraná Antarctica é tão secreto que não conseguimos nenhuma foto dele, nem de costas, nem com o rosto escondido. Para não colocarmos uma receita de bolo, a fruta guaraná, sem a qual não seria possível fazer o refrigerante. (Foto: Divulgação)

Se isso tudo é um problema para o guardião que conversou conosco? “Não. Minha vida é bem parecida com a da maioria das pessoas. A diferença está nos cuidados que devo ter ao falar e, principalmente, ao escrever, pois não posso deixar nenhuma pista de quem eu sou.”

“Uma vez”, conta o guardião, “estava no interior do Amazonas conversando com um plantador local de guaraná e ele me disse que sonhava em conhecer o “dono” da fórmula do Guaraná Antarctica pois queria agradecer-lhe por tornar aquele pequeno fruto de sua região numa bebida tão apreciada por todos. Pedi para ele escrever uma carta, e prometi-lhe fazer com que chegasse às mãos do guardião.”

Além de todo o segredo que se faz ao redor da figura dessa personagem e de todo o cuidado na sua escolha, o Guaraná Antarctica toma uma série de outras precauções para que esses dois sujeitos jamais sejam descobertos. Afinal, já imaginou se alguém sequestra ou ameaça um dos guardiões e consegue essa fórmula?

“Temos bastante cuidado para evitar que algo aconteça aos guardiões. Por exemplo, eles nunca pegam o mesmo voo. Eles também nunca pegam táxi juntos ou qualquer outro meio de transporte. E também dormem em quartos de hotel separados”, diz Esteves.

O anonimato já rendeu, inclusive, situações inusitadas. “Lembro-me de uma palestra que eu estava fazendo ao um grupo iniciante trainees. Em certo ponto, um deles me questionou muito, dizendo que achava que a figura dos guardiões era apenas uma peça de Marketing, que não existíamos de verdade... Mal sabia ele que estava conversando com um dos dois atuais detentores da fórmula”, diz o guardião.

Mas em segurança mesmo está a dita fórmula secreta, afirma Esteves. Se há todo esse cuidado com as pessoas que a guardam, algo que é praxe em todo o mercado, o texto em si está ainda mais bem guardado. São sete chaves, leitores ópticos de íris e da palma de mão e um complexo sistema de segurança em uma sala cofre que deixariam qualquer agente do serviço secreto britânico na mão caso quisesse roubar esse segredo industrial.

Segundo Sérgio Esteves, as salas cofre do Guaraná são duas: uma em Manaus e outra em Guarulhos. Metade da fórmula fica em uma e a outra metade fica na outra cidade. De vez em quando, essas frações da fórmula total trocam de local e suas orde ns são invertidas. Tudo para evitar que, mesmo se todo o difícil sistema de segurança for quebrado, alguém consiga ter acesso ao chamado “coração do Guaraná”, o xarope que dá o sabor final.

Além disso, em cada etapa do processo de fabricação desse xarope são tomados os mínimos cuidados, desde a compra dos produtos até seu descarte, medida que também é adotada por outras grandes marcas. Para evitar que uma Coca-Cola, por exemplo, não seja copiada, a empresa segue padrões semelhantes de segurança. Mesmo com tudo isso, alguém poderia analisar quimicamente os dejetos industriais do local em que são elaboradas essas fórmulas e descobrir seus segredos. Mas até nisso se pensa.

“Parte do processo também é o guardião fazer compra de coisas que não necessariamente serão usadas na fórmula. Ele compra alguns ingredientes apenas para chegar lá na hora e descartar no lixo”, diz Sérgio Esteves. Por que isso? “Porque mesmo que alguém rastreie as compras da companhia, veja os ingredientes que compramos, os aromas etc, mesmo assim não conseguirá saber como é a fórmula.”

Também só há duas chaves para os dois cofres do Guaraná. Uma com cada guardião. Somente eles têm acesso à sala que contém apenas um computador desplugado de toda e qualquer rede e com apenas o texto da fórmula. E ainda tem também a fórmula original, à qual somente essas duas pessoas têm acesso. “Essa é mantida em envelope lacrado e guardada em cofre-forte. Ela só pode ser interpretada com a ajuda de um manual de decodificação. Na transição para um novo guardião, essa pessoa é treinada para saber decodificá-la”, diz o guardião.

De todo jeito, ele diz nem precisar mais do formato físico da receita. “Já a conheço de cor. Mas seguindo o protocolo de padronização que utilizamos, sempre consultamos o decodificador durante a elaboração de cada novo lote”. Esse decodificador existe, afirma Esteves, porque preparar o “coração do Guaraná” não é simplesmente “jogar tudo em uma panela e mexer”. “No processo de criação do ‘coração do guaraná’, toda a ordem dos ingredientes e o cuidado com que são manipulados fazem a diferença”, diz. Portanto, mesmo que se chegasse, enfim, a descobrir o que exatamente é utilizado nesse xarope, ainda não se saberia misturar tudo do jeito certo.

Cuidar do processo de produção desses produtos, quer sejam refrigerantes, sanduíches, ou sabões em pó, é extremamente importante para todas as empresas. O produto que chega na sua casa passou necessariamente pelas mãos desses sujeitos. O sabor de tantos produtos que conhecemos desde a infância - alguns dos quais, não importa em que país estamos, são exatamente iguais - é fruto desse esforço pensado e desse esquema de segurança criado pelas empresas para garantir seu produto final.

LUCAS HACKRADT