Um motorista perdeu o controle do carro e bateu em um poste no cruzamento das ruas Carlos Consoni e Benjamin Staufer, em Ribeirão Preto, São Paulo. O motorista, o policial aposentado Paulo Orteiro, morreu no acidente Edson Silva/Folhapress
O caso do motorista do Porsche que, segundo relatos, trafegava a mais de 150 km/h em uma rua de São Paulo e matou uma pessoa no dia 9 de julho, suscitou uma discussão: uma personalidade impulsiva pode ser a responsável por este tipo de acidente? O motorista negou, em depoimento, que estivesse a esta velocidade.
Especialistas ouvidos pelo UOL Ciência e Saúde concordam que a personalidade impulsiva, ou de buscadores de sensações, representam um risco no trânsito, mas que o consumo de drogas e de álcool está muito mais ligado a acidentes como este. Ainda de acordo com depoimentos, o motorista apresentava claros sinais de embriaguez.
Para o neuropsicólogo Paulo Januzzi Cunha, que trabalha com a impulsividade e o uso de drogas, as pessoas que sempre buscam sensações para sentir prazer geralmente acabam provocando situações de risco para elas e para outras.
E, como diz a psicóloga especialista em trânsito, Ângela Coelho Moniz, o carro é um forte símbolo de poder em nossa sociedade. “Você se sente mais ou menos poderoso dependendo do carro que tem e se está em companhia de amigos ou não”.
Juntando as duas coisas, não é raro ver aqueles que arriscam suas vidas e a de outras pessoas correndo muito além dos limites de velocidade. “Mas para chegar a esta velocidade em uma pequena rua de São Paulo, o uso do álcool ou outras drogas pode ter sido determinante”, explica o neuropsicólogo.
Isso porque o álcool afeta a capacidade de julgamento, prejudica a memória e o tempo de reação. “Se o julgamento está prejudicado e a pessoa já tem tendência a buscar emoções, isso se exacerba. A capacidade de se colocar no lugar do outro, a empatia, desaparece”, lembra Moniz.
“Estudos têm revelado que o álcool e as drogas estão fortemente relacionados aos acidentes de trânsito”, conta Ana Paula Porto Noronha Fagundes, conselheira do Conselho Federal de Psicologia.
Eu sou impulsivo, e agora?
Ser um alto buscador de sensações é uma característica da personalidade, que indica que a pessoa sempre precisa de mais riscos e emoções para sentir prazer. O problema é quando isso passa a apresentar um risco não só pra ela, mas para as outras pessoas.
“Não é o mesmo do que a pessoa que gosta de correr de carro e vai a um autódromo ou uma pessoa que quer pular de paraquedas para sentir a adrenalina. Nestes casos, o indivíduo pode obter o prazer desejado, mas em um contexto adequado e com os riscos minimizados”, diferencia Cunha.
Soluções
Por isso, Cunha é taxativo ao afirmar que, para coibir tais acidentes que chocam o país, a legislação deve ser aplicada e fiscalizada. “É um absurdo que pessoas dirijam embriagadas, a falta de fiscalização é a responsável por estes acidentes”.
No penúltimo final de semana (de 8 a 10 de julho), a Polícia Militar de São Paulo voltou a fazer megaoperações de fiscalização da Lei Seca: 234 foram presos em flagrante por dirigirem sob efeito de álcool.
Para a psicóloga do trânsito, tanto aqueles com características mais impulsivas quanto a população em geral não cometem delitos por falta de informação e sim por falta de ‘consciência de seus atos’. “Eles sabem que está errado ultrapassar os limites, mas fazem assim mesmo. O autoconhecimento e o respeito ao outro é que devem ser estimulados para prevenir estes acidentes”.
O neuropsicólogo afirma que existem testes que podem analisar predisposição para comportamentos mais impulsivos e nocivos e que eles poderiam ser aplicados e servir de critério de rejeição ao dar a licença para dirigir.
Segundo Moniz, os testes existentes hoje ainda não são tão precisos para analisar os possíveis riscos no trânsito e há falta de uma definição do que é ser um bom condutor.
Avaliação psicológica para tirar carteira de motorista.
A conselheira do Conselho Federal de Psicologia explica que para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação o candidato a motorista é submetido a uma avaliação psicológica pericial, para coleta de informações com o objetivo de conhecê-lo.
“No caso do trânsito, o psicólogo é levado a afirmar se o indivíduo é 'apto', 'inapto' ou 'inapto temporariamente' para conduzir um veículo. Ainda em relação à avaliação, a legislação brasileira determina que sejam investigados alguns indicadores nesta avaliação como, por exemplo, tomada de decisão e características de personalidade”.
Fagundes destaca que, apesar de a impulsividade não ser uma característica desejável para motoristas, na avaliação é feita uma investigação de vários aspectos que não se resumiriam a aplicação de um teste.
Procurado, o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) afirma que não estuda aumentar os testes psicológicos na obtenção da carteira de motorista, mas que irá analisar em setembro propostas do pacto de redução de acidentes no trânsito.
Do UOL Ciência e Saúde