Cristina Almeida
Adversidades na infância têm sido associadas a problemas de saúde na idade adulta. Estudos recentes mostram que acidentes, problemas econômicos, internações e a perda de entes queridos aumentam as chances de ter fibromialgia (dor crônica generalizada) no futuro. Agora, uma nova pesquisa mostra que abusos físicos, emocionais ou sexuais podem aumentar o risco de desenvolvermiomas, tumores benignos que afetam mais da metade da população feminina.
Essa é a conclusão a que chegou uma equipe de pesquisadores da Universidade de Aberdeen, no Reino Unido. Desde 1989, eles observaram mais de 68 mil mulheres, todas na faixa etária entre 25 a 42 anos. As voluntárias responderam a um questionário que investigava a existência de algum tipo de abuso (físico, sexual ou emocional), no período em que eram crianças ou adolescentes. Finalizado em 2005, esse estudo contou 9.823 diagnósticos de miomas: em 65% dos casos, mulheres com esse histórico estavam envolvidas. Isso significa que o sofrimento vivido na infância pode aumentar em 4,5 vezes a possibilidade de ter um mioma.
Também conhecido como fibroma ou leiomioma, esse tipo de tumor benigno geralmente não apresenta sintomas, e muitas vezes só é descoberto em exames de rotina. Em 25% dos casos, porém, os sinais são evidentes: dor pélvica, aumento do fluxo menstrual e do abdome, sangramento, micção frequente ou infecção urinária, bem como problemas no trato gastrointestinal (em razão da pressão sobre a bexiga e o reto).
Causas incertas
Ainda não se sabe quais são as causas dessa patologia. Estudos mais recentes indicam que o mioma se caracteriza pelo crescimento por acumulação de colágeno e outros elementos, como uma cicatriz do tipo queloide. Outras hipóteses relevantes são fatores hormonais (o mioma é alimentado por estrógeno), genética, alterações no crescimento celular, hipertensão, hereditariedade, etnia e até obesidade.
MIOMAS E CLIMATÉRIO
A queda hormonal provocada pelo climatério em tese pode manter o mioma sob controle, já que o tumor é alimentado por estrógeno. Muitas vezes, para mulheres na , o útero já não possui uma função biológica, mas os aspectos psicológico e social influenciam. De acordo com o médico Edílson Ogeda, ginecologista do Hospital Samaritano de São Paulo, mulheres assintomáticas podem esperar a menopausa em vez de retirar o útero por causa dos miomas, mas devem ser monitoradas periodicamente. "Se as condições físicas permitirem, a decisão de preservar o útero nesse período é da mulher. Mas a indicação é que haja tratamento e acompanhamento. O fato é que, para muitas delas, uma solução radical tem como consequência uma sensação de vazio ou castração", comenta a ginecologista Bárbara Murayama, especialista em histeroscopia. O ginecologista Mariano Tamura, chefe do setor de mioma uterino da Unifesp, acredita que a vontade da mulher deve e pode ser respeitada, especialmente quando a questão emocional é evidente. "Mas é preciso que todas saibam que tirar o útero não prejudica a feminilidade e não há prejuízo para a vida sexual. O que vemos na prática clínica é que, quando os sintomas são intensos, há um grande alívio para a paciente, que passa a ter melhor qualidade de vida", conclui.
“Não sabemos qual a causa do leiomioma. E não sabemos por que uma determinada célula começa a se multiplicar”, diz Rodrigo Castro, professor de ginecologia e chefe do setor do leiomioma da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Entre as causas possíveis, a genética é a que talvez seja a mais convincente”.
Castro informa que mulheres negras apresentam risco aumentado em até 3,4 vezes. E mulheres que nunca engravidaram têm 3,3 vezes mais vulnerabilidade. Nos EUA, mais de 70% das mulheres afrodescendentes têm miomas, eles tendem a ser maiores e mais numerosos e ainda produzem sintomas mais graves.
A ginecologista e obstetra Bárbara Murayama, especialista em histeroscopia, conta que o que se observa no consultório é que o mioma, assim como a endometriose, é uma patologias típica da mulher moderna que postergou a maternidade e, por isso, teve exposição hormonal prolongada. “Sem dúvida, essa é uma relação importante”, diz. “Quanto à pesquisa inglesa, não há parâmetro para comparar, mas parece racional o achado dos pesquisadores”.
Já o médico Mariano Tamura, chefe do setor de mioma uterino da Unifesp, pondera que é preciso ter critério na interpretação das conclusões dos pesquisadores ingleses, pois eles não buscaram nexo biológico para a doença. “No consultório, o mioma não tem relação com abusos. O que sabemos é que várias questões podem estar envolvidas e, para validar tais resultados, seria importante saber, por exemplo, se naquele grupo haviam obesas, e se, em suas famílias, outras mulheres também tiveram a doença."
Existem mais de 150 genes envolvidos na patologia. E essa é a razão por que fica difícil especificar qual a causa do aparecimento do mioma numa mulher. "Cada uma pode ser sensível a fatores diferentes (genéticos, emocionais etc); isso significa que qualquer situação externa pode aumentar a resposta a esses fatores, desencadeando a doença”, explica Cláudio Bonduki, professor de ginecologia da Unifesp e responsável pelo setor de embolização de mioma.
Útero preservado
Os especialistas são unânimes quanto ao fato de que o tratamento deve acontecer somente nos casos em que a doença apresente sintomas importantes. Outro ponto comum é que, sendo ele necessário, a conservação do útero deve ser a prioridade. De acordo com Castro, as possibilidades terapêuticas precisam ser decididas considerando idade, sintomas, achados físicos e laboratoriais, estado hormonal, doenças concomitantes, infertilidade e desejo reprodutivo. “Para cada situação, há um tipo específico de tratamento”.
Os tratamentos são classificados como radical (retirada total do útero) e conservador. Nesse último caso, podem incluir o uso de medicamentos, ou a retirada do tumor com cirurgia ou por laparoscopia(quando ele se instalar na área periférica do útero).
Há, ainda, a possibilidade de embolização uterina – técnica utilizada desde 1995, mas só chegou no Brasil em 2000. “Trata-se de um procedimento pouco invasivo que consiste na introdução de um cateter nas artérias uterinas para a deposição de pequenas partículas", explica Marcus Vinícius Bittencourt, cirurgião vascular do Hospital Samaritano de São Paulo. O objetivo é destruir a circulação dos miomas. Essa opção tem custo mais elevado que a cirurgia e não está disponível na rede pública. Além disso, envolve um radiologista ou cirurgião vascular, além do ginecologista.