Eu estava certa que era apenas refluxo ácido, ou simplesmente dor de compaixão pelos meus pacientes da ala de câncer gastrointestinal.
Mas a dor na minha barriga continuou me atormentando quando que eu saí da ala de câncer e fui para a sala de emengência. Nem mesmo quando saí de férias ela passou. Por fim, fui examinada da cabeça aos pés: não deu pólipos, não deu úlceras, não deu refluxo, não deu tumor.
O que a gastroenterologista viu foi cândida (fungo) crescendo no meu esôfago. Esofagite por cândida é facilmente diagnosticada e pode ser tratada com uma pílula. Eu conhecia bem a doença – três dos meus pacientes estavam com ela quando eu recebi meu diagnóstico.
Mas, eis a questão: a esofagite por cândida é uma doença imunocomprometida. Os três pacientes tinham Aids, câncer e vasculite, uma doença autoimune dos vasos sanguíneos. De fato, é uma “doença definida pela Aids”: Um paciente que tem cadidíase esofagal é considerado HIV positivo até que se prove o contrário. O que eu, uma médica jovem, estava fazendo com uma infecção normalmente encontrada em pessoas seriamente doentes?
Então começaram os exames: passei meus dias receitando exames de sangue e tomografia para meus pacientes. Passei meus dias fazendo meus exames de sange e tomografia. Ao mesmo tempo em que esses procedimentos aumentavam minha compreensão sobre como é passar por tudo isso – é verdade o que os pacientes dizem sobre o arrepio que sentem quando o líquido do contraste IV está correndo na veia e como o preparo para a colonoscopia do intestino é desagradável! –, era um desafio cuidar dos pacientes e ser um deles também.
Médicos não gostam de médicos doentes. Colegas muito doentes aumentam a carga de trabalho dos demais e deixam os pacientes preocupados. Primeiramente, eu não queria contar para ninguém do meu trabalho o que estava acontecendo comigo. Então, comecei a conversar com médicos de outros hospitais.
Uma médica revelou que tinha ficado coberta de herpes zoster, uma doença rara, exceto em pacientes idosos e imunocomprometidos. Outra relatou uma infecção fúngica repulsiva nos lábios, chamada queilite angular (fator de risco número 1: uso de dentaduras). Um terceiro falou, envergonhado, de sua crise de clostridium difficile, uma diarreia infecciosa fatal adquirida em hospital e que geralmente surge em residentes de asilos, pacientes com Aids e aqueles que estão fazendo tratamento longo com antibióticos.
O pior de tudo foi uma estagiária que contraiu uma bactéria rara, apenas encontrada em pacientes com doença pulmonar congênita fatal, que fez um buraco tão severo no seu pulmão que ela precisou de intervenção cirúrgica. Ela morreu um pouco depois da cirurgia, no mesmo hospital onde trabalhava.
Todas essas patogêneses estão nos cercando – estávamos nadando em fungos, bactérias e partículas virais. Mesmo assim, maioria de nós não nos entrega a elas até ficarmos fracos, idosos, ou severamente doentes.
Por que médicos jovens estão sendo vítimas, e por que estamos com medo de falar sobre isso?
Para ser sincera, queremos ser altruístas: entramos destemidamente na clínica de Aids, na ala de câncer, na sala de emergência. Para ser sincera, mantemos horários não saudáveis, trabalhando 27 horas seguidas, nos alimentando daquelas comidas de máquinas e segurando a vontade de ir ao banheiro por horas. Cultivamos o etos da invencibilidade.
Enquanto encorajamos nossos pacientes para serem honestos sobre suas infecções e diagnósticos estigmatizados, ficamos mudos sobre nós mesmos, sempre esperando para falar até que esteja quase tarde demais. No ano passado, eu vi pelo menos dez residentes quase desmaiarem (um sinal que leva pacientes de emergência a uma admissão ao hospital) e continuam trabalhando – envergonhados de seus lápsos momentâneos, temendo as consequências que terão nas suas carreiras e o respeito de seus colegas de trabalho.
Eu não sei como contraí minha esofagite, e eu não me importo – não me arrependo ter ido visitar um paciente sequer. Não tem uma noite sequer que eu tenha preferido ficar em casa dormindo a correndo no hospital cuidando deles. É um privilégio poder fazer isso. Mas eu realmente gostaria de ter tido um ou dois dias de folga, visto que eu estava doente, para ter tratado desde o início.
Até agora, tive sorte nos meus exames: HIV negativo, malignâncias descartadas, diagnóstico de deficiência imune pendente. Meus médicos não sabem como esta infeção oportunista conseguiu entrar no meu corpo, ou se ela já se foi.
Há certas ocasiões em que nós, médicos, precisamos ser pacientes. Faríamos bem aos nossos pacientes se aproveitássemos esses momentos em que estamos doentes para ficar longe das suas camas. Há um ditado que médicos antigos passam adiante para nós, novatos, sobre encarar as emergências de um hospital: “Primeiro, verifique seu próprio pulso”. “Já está na hora de os médicos seguirem os seus provérbios”.
Mas a dor na minha barriga continuou me atormentando quando que eu saí da ala de câncer e fui para a sala de emengência. Nem mesmo quando saí de férias ela passou. Por fim, fui examinada da cabeça aos pés: não deu pólipos, não deu úlceras, não deu refluxo, não deu tumor.
O que a gastroenterologista viu foi cândida (fungo) crescendo no meu esôfago. Esofagite por cândida é facilmente diagnosticada e pode ser tratada com uma pílula. Eu conhecia bem a doença – três dos meus pacientes estavam com ela quando eu recebi meu diagnóstico.
Mas, eis a questão: a esofagite por cândida é uma doença imunocomprometida. Os três pacientes tinham Aids, câncer e vasculite, uma doença autoimune dos vasos sanguíneos. De fato, é uma “doença definida pela Aids”: Um paciente que tem cadidíase esofagal é considerado HIV positivo até que se prove o contrário. O que eu, uma médica jovem, estava fazendo com uma infecção normalmente encontrada em pessoas seriamente doentes?
Então começaram os exames: passei meus dias receitando exames de sangue e tomografia para meus pacientes. Passei meus dias fazendo meus exames de sange e tomografia. Ao mesmo tempo em que esses procedimentos aumentavam minha compreensão sobre como é passar por tudo isso – é verdade o que os pacientes dizem sobre o arrepio que sentem quando o líquido do contraste IV está correndo na veia e como o preparo para a colonoscopia do intestino é desagradável! –, era um desafio cuidar dos pacientes e ser um deles também.
Médicos não gostam de médicos doentes. Colegas muito doentes aumentam a carga de trabalho dos demais e deixam os pacientes preocupados. Primeiramente, eu não queria contar para ninguém do meu trabalho o que estava acontecendo comigo. Então, comecei a conversar com médicos de outros hospitais.
Uma médica revelou que tinha ficado coberta de herpes zoster, uma doença rara, exceto em pacientes idosos e imunocomprometidos. Outra relatou uma infecção fúngica repulsiva nos lábios, chamada queilite angular (fator de risco número 1: uso de dentaduras). Um terceiro falou, envergonhado, de sua crise de clostridium difficile, uma diarreia infecciosa fatal adquirida em hospital e que geralmente surge em residentes de asilos, pacientes com Aids e aqueles que estão fazendo tratamento longo com antibióticos.
O pior de tudo foi uma estagiária que contraiu uma bactéria rara, apenas encontrada em pacientes com doença pulmonar congênita fatal, que fez um buraco tão severo no seu pulmão que ela precisou de intervenção cirúrgica. Ela morreu um pouco depois da cirurgia, no mesmo hospital onde trabalhava.
Todas essas patogêneses estão nos cercando – estávamos nadando em fungos, bactérias e partículas virais. Mesmo assim, maioria de nós não nos entrega a elas até ficarmos fracos, idosos, ou severamente doentes.
Por que médicos jovens estão sendo vítimas, e por que estamos com medo de falar sobre isso?
Para ser sincera, queremos ser altruístas: entramos destemidamente na clínica de Aids, na ala de câncer, na sala de emergência. Para ser sincera, mantemos horários não saudáveis, trabalhando 27 horas seguidas, nos alimentando daquelas comidas de máquinas e segurando a vontade de ir ao banheiro por horas. Cultivamos o etos da invencibilidade.
Enquanto encorajamos nossos pacientes para serem honestos sobre suas infecções e diagnósticos estigmatizados, ficamos mudos sobre nós mesmos, sempre esperando para falar até que esteja quase tarde demais. No ano passado, eu vi pelo menos dez residentes quase desmaiarem (um sinal que leva pacientes de emergência a uma admissão ao hospital) e continuam trabalhando – envergonhados de seus lápsos momentâneos, temendo as consequências que terão nas suas carreiras e o respeito de seus colegas de trabalho.
Eu não sei como contraí minha esofagite, e eu não me importo – não me arrependo ter ido visitar um paciente sequer. Não tem uma noite sequer que eu tenha preferido ficar em casa dormindo a correndo no hospital cuidando deles. É um privilégio poder fazer isso. Mas eu realmente gostaria de ter tido um ou dois dias de folga, visto que eu estava doente, para ter tratado desde o início.
Até agora, tive sorte nos meus exames: HIV negativo, malignâncias descartadas, diagnóstico de deficiência imune pendente. Meus médicos não sabem como esta infeção oportunista conseguiu entrar no meu corpo, ou se ela já se foi.
Há certas ocasiões em que nós, médicos, precisamos ser pacientes. Faríamos bem aos nossos pacientes se aproveitássemos esses momentos em que estamos doentes para ficar longe das suas camas. Há um ditado que médicos antigos passam adiante para nós, novatos, sobre encarar as emergências de um hospital: “Primeiro, verifique seu próprio pulso”. “Já está na hora de os médicos seguirem os seus provérbios”.
Shannon Gulliver*