segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Alongar quanto, e para quê?


Ser muito flexível não significa ser mais saudável

Uma vez fui experimentar uma nova aula de ioga e acabei arrumando uma briga com o professor. Eu era novata ali, mas não exatamente inexperiente na modalidade. Já estava razoavelmente acostumada a seguir as cuidadosas instruções dos professores, quase sempre suaves e tranquilos, e por isso estranhei quando ele mandou sentar com as pernas posicionadas de um jeito estranho (estranho para mim, pelo menos) e encostar o ombro no joelho. “Professor, não entendi. Qual é o objetivo desse movimento? Não estou sentindo alongar nada.” Por algum motivo, ele não gostou da pergunta, se indispôs comigo e acabou não me tirando a dúvida. A briga depois foi resolvida e perdoada, mas a explicação do movimento eu nunca recebi. Fazer exercício de alongamento sem saber o que precisa ser alongado não faz sentido. A coisa mais importante nesse tipo de atividade é justamente a atenção que se deve dar a cada parte do corpo. Se o objetivo de um movimento é, por exemplo, alongar a musculatura posterior da coxa, por que o professor diria que o aluno deve procurar encostar os dedos das mãos na ponta dos pés? Por que focar nas mãos e nos pés se a intenção é trabalhar a coxa? Essa forma de aula era comum há alguns anos, mas hoje os profissionais mais atualizados ensinam alongamento de outro jeito. Para começar, o meu alongamento não deve ser igual ao seu. O meu corpo tem um tamanho, um formato e uma organização articular únicos, frutos do meu histórico esportivo, da minha postura no dia a dia, da minha genética e sabe-se lá do que mais. Minha musculatura tem um certo tônus, resultante da musculação e das minhas tensões. Tenho boa flexibilidade nos braços e nas pernas, mas meu pescoço às vezes precisa de cuidados especiais. Meu joelho direito ainda dói e o médico mandou alongar o trato iliotibial, o que eu achei bem difícil. Quero manter minha coluna flexível, com facilidade para torções, mas não tenho a menor pretensão de virar contorcionista. É tudo isso e mais um pouco que a minha rotina de alongamento deve levar em consideração.

Mas a gente só está suficientemente alongada quando consegue encostar as mãos nos pés e manter coluna e joelhos estendidos, né? Mentira. Essa história de suficiente só vale para o meu conforto e para minhas necessidades 100% particulares. Se eu estiver com dificuldade para andar de bicicleta ou subir nas pedras mais altas numa caminhada até uma cachoeira ou jogar frescobol por causa de encurtamento na musculatura, eu vou querer mais flexibilidade para me divertir. O suficiente para mim, nesse caso, será fazer tudo isso com desenvoltura, com total liberdade de movimento. Eu acho muito bonito quem consegue abrir espacato e encostar o pé na orelha. Mas nem sempre essa flexibilidade invejável é de fato invejável. A Drika diz que pessoas hiperflexíveis têm de tomar cuidado para não estirar demais a musculatura e desproteger as articulações. As bailarinas molinhas e artistas de circo precisam é maneirar no alongamento e caprichar no fortalecimento da musculatura. O padrão do atleta não serve muito para promover saúde. Se a ginasta olímpica precisa exagerar na flexibilidade, apesar das dores, para ganhar medalhas, gente comum em busca de qualidade de vida deve ter como principal parâmetro o próprio corpo. Doeu? Está forçando demais ou na direção errada. Relaxou? Aproveite e permaneça. Não sentiu nada? Continue procurando até encontrar o seu limite. Sem olhar para o aluno ao lado, que tem corpo, dores e usos bem diferentes dos seus. A seguir, um pingue-pongue com a professora Drika.Qual deve ser o objetivo do alongamento quando se pensa em qualidade de vida? O objetivo maior é fazer suas atividades diárias e de trabalho de uma maneira mais fácil e agradável, prevenindo lesões e dores musculares advindas de posturas inadequadas. A idade faz diferença? O envelhecimento leva a uma rigidez muscular e articular que dificulta alguns movimentos. Portanto, de uma maneira geral, quanto mais cedo começar, mais fácil será, e com melhores resultados. E o sexo? Normalmente as mulheres são mais flexíveis, mas isso não exclui os homens de alongar. Ao contrário, eles devem fazer alongamento sempre. A profissão determina como se deve alongar? Não a profissão exatamente. Depende do que a pessoa faz, da postura que ela adquire durante maior parte do tempo, pois podem surgir encurtamentos mais específicos. Uma pessoa que fica muitas horas sentada, por exemplo, certamente terá encurtamentos na região das costas e pernas. Há quem viva bem pouco flexível? Sim, muitas pessoas não praticam alongamento e vivem bem, mas talvez vivessem melhor se praticassem alongamento e tivessem uma melhor postura. Flexibilidade além do necessário pode atrapalhar? Existe uma característica especial em algumas pessoas que as tornam hiperflexíveis, ou seja, suas articulações se movem além da amplitude normal. Isso a longo prazo pode causar problemas nas cartilagens, discos, meniscos, cápsulas, etc. O que a gente deve procurar sentir para saber se está alongando do jeito certo e na medida certa? Devemos sentir uma tensão muscular tal que nos dê uma sensação de estiramento e não de dor, manter este estiramento por certo tempo e depois repetir o movimento tentando aumentar o grau de amplitude de articular. Quais os sinais de que estamos alongando errado? Se houver uma dor excessiva, contração exagerada de outras estruturas, certamente está excedendo seu limite muscular. Quando podemos acreditar que estamos suficientemente alongados? Quando percebemos nossos movimentos mais livres e em grau de amplitude de movimento adequado às nossas necessidades.
Francine Lima